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ARTIGO - O Genocídio dos Guarani-Kaiowá

Por Por: Walter Gustavo Lemos, 17/06/2016 20h11
 (Foto: Assessoria)
Foto: Assessoria

No dia 14 deste mês, houve um atentado contra os índios Guarani-Kaiowá na região de Caarapó, no estado do Mato Grosso do Sul, onde um grande grupo de pessoas não identificadas, armadas e agindo organizadamente promoveram um ataque a um grupo de indígenas que se encontravam na Fazenda Yvu, vizinha à reserva Tey'i Kue desta etnia.

Este grupo chegou ao local já atirando nos indígenas que se encontravam no local, sendo que acabaram por promover a morte do agente de saúde indígena Clodiodi Aquileu Rodrigues de Souza Kaiowá, bem como deixando mais de 6 pessoas feridas a bala e atendidas pelos hospitais locais, mas podendo haver mais mortos ou feridos, já que os índios que se encontravam no local se dispersaram e empreenderam fuga, sem que uma parte rumou para a aldeia da reserva e outros acabaram fugindo para outros locais.

Estes atos foram realizados de forma genérica e abrupta contra este grupo indígena, onde as pessoas que realizam os atos chegaram atirando em qualquer um dos indígenas, sem que este se desse contra uma pessoa só, mas como um ato de intenção de causar danos à tal etnia. Ou seja, a intenção das pessoas que causaram este atentado não foi de cometer um homicídio ou graves lesões corporais contra estes índios, mas sim de empreender atos de destruição àquele grupo, no todo ou em parte, por via da promoção generalizada de mortes ou graves lesões.

Estes tipos de conduta devem ser reconhecidas pelo Judiciário brasileiro não como um simples homicídio e algumas lesões corporais, mas como uma série de atos coordenados que objetiva destruir um grupo étnico por via da realização de homicídios e lesões aos membros do grupo, o que se subsume na norma brasileira no fato típico de genocídio.

O genocídio é descrito pelo art. 1º da Lei nº 2.889, de 1 de outubro de 1956, que define o crime e dá suas penas, onde este delito é considerado quando realizadas as seguintes condutas descritas na norma:

“Art. 1º Quem, com a intenção de destruir, no todo ou em parte, grupo nacional, étnico, racial ou religioso, como tal:
a) matar membros do grupo;
b) causar lesão grave à integridade física ou mental de membros do grupo;
c) submeter intencionalmente o grupo a condições de existência capazes de ocasionar-lhe a destruição física total ou parcial;
d) adotar medidas destinadas a impedir os nascimentos no seio do grupo;
e) efetuar a transferência forçada de crianças do grupo para outro grupo

O conteúdo do artigo legal citado é descrito pela norma brasileira em inspiração na Resolução de nº 96, de 11 de dezembro de 1946, aprovada pela Definição nº 260 (III) da Assembleia Geral de Nações Unidas, em 9 dezembro 1948, conhecida por Convenção para a prevenção e repressão aos crimes de genocídio.

O mesmo pensamento descrito na lei brasileira e na Convenção internacional sobre genocídio também é tratado no art. 6º do Estatuto de Roma, onde também se abordam os mesmos atos como configuradores desta prática.

Assim, o ato de sair atirando num grupo de índios tem como objetivo promover a sua destruição, por via dos atos de matar ou lesar os indivíduos que compõe o grupo, de forma que isso configura genocídio, um delito bastante grave e hediondo, que não se origina de uma simples ação de matar uma pessoa, mas de destruir um grupo, no caso o grupo étnico indígena Guarani-Kaiowá.
Várias ações já foram realizadas anteriormente contra os indivíduos desta etnia, mas sempre contra os indivíduos de forma singular, não com o intuito de empreender atos contra o grupo, como ocorridos no presente ato de terça-feira, onde um grande grupo de pessoas, possivelmente de ruralistas da região, o que ainda não foi provado, promoveram atos contra o grupo Guarani-Kaiowá com o intuito de destruir aquele grupo. Assim, o fato desta ação criminosa ter ocasionado somente um homicídio e algumas lesões corporais não impede que este seja considerado genocídio, posto que as condutas que importam na realização do crime ora descrito estão configuradas.

Assim, é necessário que as autoridades brasileiras promovam as ações de combate às tais condutas, para que não mais venham a ocorrer, bem como promovam a investigação necessária a fim de encontrar os culpados por aquela ação genocida de terça-feira passada, imputando-lhes a prática de crime de genocídio, sob pena de que tal conduta ser investigada pelo Tribunal Penal Internacional, nos termos do Estatuto de Roma.

Sobre o Autor:
Advogado e professor universitário em Porto Velho/RO, formado pela UFGO, com pós-graduação em Direito Penal e P. Penal pela Ulbra/RS, em Direito Processual Civil pela FARO/RO, Mestrado em Direito Internacional pela UAA/PY e em História pela PUC/RS. Professor de Direito Internacional Público e Privado e de Hermêneutica Jurídica da FARO/RO e da FCR/RO. Ex-Secretário-Geral Adjunto da OAB/RO. Membro do IDPR.